Quão doente tem de estar uma sociedade para que se gaste tanto tempo a esmiuçar um assunto menor como as eleições legislativas e tão pouco ou nenhum a discutir a magnífica entrevista que João César das Neves deu ao jornal O Independente da passada sexta-feira? E quão doente tenho eu estar para começar uma crónica com a palavra “quão”? A resposta às duas questões é: muito, evidentemente.
Em duas páginas de entrevista, César das Neves usa cinco vezes a palavra deboche e condena o aborto, o preservativo, a homossexualidade, a masturbação e tudo o que, de um modo geral, ele calcula que possa dar prazer a alguém. Só há uma coisa que não se desculpa ao entrevistador, José Eduardo Fialho Gouveia: o facto de não ter perguntado a César das Neves qual é a marca de fósforos que usa nos seus autos-de-fé. Continuamos sem saber, e é pena.
A tese fundamental de César das Neves é esta: “o acto sexual não é só uma questão de prazer”. E, se for excluída a intenção de procriar, o sexo transforma-se “numa coisa mecânica, animal”.
A ideia de que o sexo para procriar é humano e o sexo pelo prazer é “uma coisa animal” é interessante e a Natureza confirma-a: quais são os animais para quem o sexo serve o propósito da procriação? Raríssimos, se é que há algum. Mas quantas vezes vimos já, no programa National Geographic, um urso a chegar à toca, cansado de um dia de trabalho, apenas para encontrar a ursa mergulhada numa banheira de espuma enfeitada com pétalas de rosa e velas a toda a volta, convidando o macho para uma noite de simples prazer animal? Tantas.
No fundo, é por causa de pessoas como César das Neves que o sexo é tão bom. Sem aquela noção de pecado, de transgressão, de malandrice perversa, o sexo teria muito menos graça. Por isso, peço desculpa por dizê-lo tão cruamente, mas a verdade é esta: João César das Neves dá-me tesão. Não vale a pena fugir à realidade.
Este homem faz mais pela minha sexualidade numa das suas crónicas do Diário de Notícias do que duas camionetas cheias de coelhinhas da Playboy. Ainda hoje não compreendo porque é que o DN não imprime a crónica de César das Neves na página central e com folha desdobrável, para que milhares de mecânicos a possam pendurar em paredes de oficinas de todo o Portugal. Só pode ser má vontade de algum puritano.
Mas também é preciso dizer, com a mesma honestidade, que, em certos aspectos, César das Neves não tem razão. A condenação da homossexualidade não me incomoda por aí além. Simpatizo com a causa da defesa dos direitos dos homossexuais, mas não estou particularmente empenhado nessa luta. Agora, não admito que César das Neves toque na masturbação.
A masturbação é um direito inalienável do ser humano que só por esquecimento imperdoável ou pérfida maldade foi omitido da Declaração Universal das nações Unidas. Em defesa da masturbação, estarei disposto a ir até ao fim do mundo – e não estou sozinho. Milhares de adolescentes com óculos e a cara cheia de borbulhas estão comigo. Prepare-se para nós, César das Neves.
Por Ricardo Araújo Pereira (In Boca do Inferno, revista Visão, nº 625)